Em 2017, uma descoberta surpreendente trouxe à tona o trabalho de Masha Ivashintsova, uma fotógrafa soviética cuja obra permaneceu oculta por décadas. Após seu falecimento em 2000, sua filha, Asya Ivashintsova-Melkumyan, encontrou cerca de 30.000 negativos e filmes não revelados no sótão da família em São Petersburgo. Essa coleção oferece uma visão íntima e poética da vida na União Soviética entre as décadas de 1960 e 1990.

Asya, filha de Masha Ivashintsova, com seu pai Melvar Melkumyan, alguns anos depois da separação dos seus pais. Moscow, 1976.
Asya, filha de Masha Ivashintsova, com seu pai Melvar Melkumyan. Moscow, URSS, 1976.

Masha Ivashintsova nasceu em 1942 em Sverdlovsk (atual Ecaterimburgo) e viveu grande parte de sua vida em Leningrado (hoje São Petersburgo). Envolvida nos círculos culturais underground da cidade, ela manteve relações com figuras como o fotógrafo Boris Smelov e o poeta Viktor Krivulin. Apesar de sua intensa atividade fotográfica, Masha nunca compartilhou seu trabalho publicamente durante sua vida.

A estética de Masha é marcada por uma abordagem intimista e emocional. Seus retratos capturam momentos de introspecção e vulnerabilidade, revelando a complexidade da experiência humana sob o regime soviético. Suas imagens oferecem uma perspectiva única sobre a vida cotidiana, destacando detalhes que muitas vezes passavam despercebidos.

Embora frequentemente comparada à fotógrafa americana Vivian Maier, é crucial reconhecer que Masha desenvolveu uma linguagem fotográfica própria. Enquanto Maier documentava as ruas de Chicago, Masha focava na realidade soviética, explorando temas e contextos específicos de sua cultura e época. Essa distinção é fundamental para apreciar plenamente a singularidade de sua obra.

Retrato de Asya Ivashintsova-Melkumyan, filha de Masha Ivashintsova, com sua cachorra Marta e seu gato Pusya
Retrato de Asya Ivashintsova-Melkumyan, filha de Masha Ivashintsova, com sua cachorra Marta e seu gato Pusya. Leningrado, URSS, 1978.

A fotografia soviética, especialmente entre as décadas de 1960 e 1990, foi marcada por uma diversidade de estilos e abordagens. Fotógrafos como Aleksandr Ródtchenko, Vsevolod Tarassévitch e Antanas Sutkus contribuíram significativamente para o desenvolvimento da arte fotográfica na União Soviética. Cada um deles trouxe perspectivas únicas, refletindo as complexidades sociais e políticas de seu tempo.

Aleksandr Ródtchenko (1891-1956) teve uma colossal influência sobre a arte da fotografia mundial. Seu trabalho é caracterizado por composições inovadoras e ângulos ousados, desafiando as convenções tradicionais da fotografia. Ródtchenko buscava capturar a dinâmica da vida urbana e a energia da modernidade, alinhando-se aos princípios do construtivismo soviético.

Vsevolod Tarassévitch (1919-1998) documentou diversos aspectos da vida soviética, desde trabalhadores em fábricas até eventos culturais. Suas fotografias oferecem uma visão abrangente da sociedade soviética, destacando tanto os momentos cotidianos quanto as grandes realizações do país. Tarassévitch tinha a habilidade de capturar a essência de seus sujeitos, revelando a humanidade por trás das imagens.

Antanas Sutkus (nascido em 1939) é conhecido por suas fotografias que retratam a vida na Lituânia soviética. Seu trabalho é marcado por uma sensibilidade profunda e uma conexão emocional com seus sujeitos. Sutkus capturou a essência da experiência humana, explorando temas de identidade, cultura e memória. Suas imagens são poéticas e introspectivas, oferecendo uma reflexão sobre a condição humana.

A obra de Masha Ivashintsova se destaca nesse contexto por sua abordagem pessoal e poética. Suas fotografias não apenas documentam a vida na União Soviética, mas também exploram as emoções e experiências individuais de seus sujeitos. Essa perspectiva íntima oferece uma compreensão mais profunda da sociedade soviética e das complexidades da vida sob o regime.

Após a descoberta de seu acervo, o trabalho de Masha ganhou reconhecimento internacional. Exposições de suas fotografias foram realizadas em diversas cidades, e sua obra foi amplamente discutida em publicações especializadas. Essa redescoberta não apenas celebra o talento de Masha, mas também enriquece a compreensão da fotografia soviética e de sua diversidade.

Para explorar mais sobre o trabalho de Masha Ivashintsova, visite o site oficial dedicado à sua obra:

mashaivashintsova.com.

Referências adicionais sobre sua vida e trabalho podem ser encontradas nos seguintes artigos:

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Felipe Garofalo
Felipe Garofalo (1983, São Paulo) é pesquisador, gestor cultural e mestre em História, Crítica e Teoria da Arte pela ECA/USP, onde desenvolve pesquisa sob orientação do Prof. Dr. Tadeu Chiarelli. Possui especializações em Gestão Pública (FESPSP), Gestão de Cidades (UNINOVE) e Gestão e Políticas Culturais (Universidade de Girona, Espanha). Idealizador do LAB FOTO (Centro Cultural São Paulo, 2017), atuou entre 2020 e 2022 no Núcleo de Curadoria do Museu da Cidade de São Paulo, com foco em projetos de fotografia na Casa da Imagem e no Prêmio Militão Augusto de Azevedo. Co-curou mostras como Registros do Brás (2022), Uma outra cidade, um outro tempo (2022) e Mário de Andrade e a estética fotográfica modernista (2023). Escreve regularmente sobre cultura e fotografia, com textos publicados na REDE, no Jornal da Fotografia e na Revista Morel. É associado à REDE, ao Fórum Brasileiro de Direitos Culturais (FBDC), à Associação Fotoativa e ao NUFCA, atuando em articulações voltadas ao fortalecimento da fotografia e da cultura no Brasil.

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